Onde As Crianças Brincam? – A bomba populacional, taxas de natalidade e o futuro da humanidade

Quando um escritor diz que ele acredita que a Civilização Ocidental está em decadência, ele é chamado de pessimista. Talvez, em realidade, ele seja um otimista. Não foi bom para o mundo que a velha e vil civilização de Roma, construída sobre uma população de escravos que viviam em cortiços, acabou? De que outra forma as Nações jovens e viris da Cristandade poderiam ter surgido? Quando examinamos as civilizações urbanas de nosso tempo, com suas diversões cinematográficas de má qualidade para entorpecer uma massa de escravos assalariados, assim como os circos de antigamente entorpeciam as massas de Roma — com o seu culto à riqueza, a sua feiura, a tristeza e a doença — somos pessimistas se pensamos que a Providência em breve irá limpar a bagunça e fazer um novo caminho para os povos intocados?

— Aodh De Blácam, Heroic Ireland

O economista Philip Pilkington escreveu um ensaio no que ele chama de “Capitalism’s Overlooked Contradiction”. Ele identificou esta contradição como a “tendência da taxa de população cair.”

Pilkington estava aqui pegando emprestado de Marx, cuja previsão de um colapso necessário do capitalismo e uma transição para o comunismo baseava-se em uma contradição fundamental que ele acreditava ter identificado na lógica do capitalismo: uma vez que o trabalho é a origem de todo o valor, à medida que os capitalistas investissem em tecnologia, a quantidade de mais-valia que eles poderiam extrair do processo de produção iria, necessariamente, cair, levando finalmente ao colapso.

As previsões de Marx foram provadas como incorretas, mas como Pilkington argumenta, quando se trata de população, de fato parece haver uma contradição que limita a necessária expansão contínua de uma economia capitalista. À medida que o PIB per capita aumenta, a taxa de fertilidade diminui, a parcela de aposentados e pessoas dependentes de benefícios sociais, o que, por sua vez, reduz o crescimento econômico. E assim, Pilkington conclui:

“Deixado por conta própria, o imperativo categórico de trabalho e consumo do capitalismo está, no final, em desacordo com suas necessidades estruturais, uma vez que desencoraja a formação de famílias e, portanto, impede a capacidade da economia capitalista crescer. Essa é a contradição fundamental do capitalismo — muito mais profunda do que qualquer coisa que Marx imaginou.”

Gráficos: Taxa de fertilidade vs. PIB per capita & Relação entre fertilidade e renda.

Embora nacionalistas e conservadores estão relutantes em atacar o capitalismo como a origem de seus problemas, a tendência que Pilkington descreve é responsável pela maior “pressão de oferta” sobre a imigração, já que os empregadores demandam uma força de trabalho e uma base de consumidores em expansão, e economistas e políticos sem imaginação se voltam à imigração como a única solução para o problema da sociedade de uma proporção crescente de idosos dependentes.

O Japão se sobressai como um país que resistiu a isto, embora tenham conseguido tal feito mantendo salários e produtividade econômica extremamente estagnados, e agora, eles também estão recorrendo a um grande influxo de imigrantes econômicos.

Isso não é um problema apenas para aqueles que advogam por uma restrição à imigração. Há algumas décadas, se alguém falasse de “crise populacional”, presumiríamos que eles estariam falando sobre a catástrofe Malthusiana da população mundial se expandindo além da capacidade de abastecimento. A obra “The Population Bomb”, de Paul Ehrlich, publicada em 1968, iniciou uma tendência de previsões catastróficas sobre a expansão da Terra para além da sua capacidade de abastecimento.

Agora, se ouvirmos alguma discussão sobre uma crise populacional, é seguro assumir que se está falando sobre o rápido declínio previsto na população global após o seu pico projetado para este século. Agora está na moda que os intelectuais neoliberais opinem sobre as causas e soluções para a tendência universal de desenvolvimento econômico que provoca a cratera nas taxas de natalidade. Qualquer um familiarizado com o feed de Elon Musk no X irá saber que ele e outros libertários do Vale do Silício acreditam que o declínio populacional é um problema de nosso tempo.

As projeções a longo prazo mostram que o colapso populacional será extremamente transformador. Tomemos como exemplo a Coreia do Sul, um país de primeiro mundo com a menor taxa de fertilidade no planeta. Segundo as tendências atuais, prevê-se que a sua população de 52 milhões caia para menos de 30 milhões até 2076, e apara apenas 16.5 milhões até o final do século.

Os países da Ásia Oriental estão especialmente afetados pelo declínio populacional. A população do Japão atingiu o pico em 2008, com 128 milhões de habitantes. O número de nascimentos atingiu um novo recorde mínimo em 2023, e o governo japonês prevê que até 2070 a população terá caído em 30%. Até 2100, a população do Japão terá diminuído pela metade, para 63 milhões.

As coisas não estão melhores fora da Ásia. Irã, uma teocracia Islâmica, teve uma queda dramática em sua taxa de fertilidade nos últimos anos, para apenas 1,61 em 2021. Em toda a Europa, as taxas de natalidade estão diminuindo, até mesmo nos países Escandinavos que pareciam ter muito mais resiliência a esta tendência do que o resto da Europa. E no sul do continente o quadro é especialmente sombrio, com Espanha e Itália continuando a cair para mínimos históricos.

Mas a queda das taxas de natalidade é apenas o efeito mais óbvio e consequência imediata do desenvolvimento econômico capitalista. Aqui estão algumas outras tendências alarmantes que a afluência em massa sob o capitalismo de consumo nos trouxe:

  • Há uma crise de saúde mental nas sociedades Ocidentais que está ficando pior. Cerca de um em cada cinco adultos na América tem uma doença mental. Uma em cada quatro mulheres jovens no Reino Unido tem um distúrbio de saúde mental. A taxa de suicídios aumentou 655% na Irlanda desde a década de 1960.
  • Temos uma crise de solidão. 61% dos jovens americanos relatam “solidão grave”. No Reino Unido, o número de jovens adultos que afirmam ter apenas um ou nenhum amigo próximo saltou de 7% para quase 20% entre 2012 e 2021. 22% dos millennials nos EUA afirmam não ter amigos próximos.
  • O QI está diminuindo. O chamado “efeito Flynn” de aumento geral do QI cessou, e pesquisas em todo o mundo mostraram que os índices de inteligência diminuíram. As tendências na sociedade rica, onde ter filhos não é uma necessidade, têm sido a de que pessoas com QI mais baixo se reproduzem a taxas mais elevadas, sugerindo que esta situação irá piorar.
  • Temos uma crise de gordura. Mais da metade dos Europeus adultos e mais de dois terços dos Americanos têm excesso de peso.
  • Temos uma crise de vícios. Quase 17% dos Americanos relataram ter um problema com abuso de substância no ano passado. Metade dos adolescentes Britânicos se sentem viciados em redes sociais.

Em suma, a afluência e a libertação individual proporcionadas pelo capitalismo e pela democracia de massas não só nos levam a deixar de nos substituir, como também há um declínio surpreendente na saúde mental, física e genética que está tornando as populações que vivenciam este ciclo incapazes de se reproduzirem. A sociedade de massas não está morrendo devido ao colapso ecológico ou por causa de uma revolução proletária, mas através da alienação, do niilismo e do desespero. A visão de mundo alienada, secular e moderna, desvinculada das crenças tradicionais que sacralizaram o mundano, simplesmente carece da capacidade de vitalizar as populações.

Marx pensou que seu materialismo histórico poderia prever a sociedade que se seguiria necessariamente ao capitalismo. A história viria a culminar numa sociedade comunista pós-escassez, onde o homem se relacionaria livremente com os seus semelhantes e onde a distinção entre “interesse privado e interesse comum” evaporaria. Se o capitalismo vai chegar a uma crise devido ao colapso social e à estagnação causada por uma crise populacional, o que podemos prever como a próxima formação social?

Declínio populacional e populismo

Num artigo intitulado “Golfing with Trump“, os pesquisadores analisaram a composição demográfica das áreas que favoreciam Donald Trump em detrimento do seu rival moderado do Partido Republicano, Mitt Romney, que concorreu à presidência em 2012. Eles descobriram que a característica comum das áreas que se inclinaram fortemente para Trump era que antigamente eram comunidades unidas e homogêneas que sofreram um declínio populacional e de emprego. Este fenômeno não é exclusivo dos Estados Unidos. A redução populacional também parece preceder o populismo na Europa: 

“Existem paralelos importantes com a experiência de outros países que sugerem que os nossos resultados podem ser mais generalizáveis. Por exemplo, o movimento Gilets Jaunes veio das periferias em declínio da França rural; a ascensão da Lega em muitas partes da Itália foi desencadeada pela estagnação de longo prazo das comunidades unidas nos distritos industriais anteriormente altamente bem-sucedidos no Norte e Centro da Itália; o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) na Alemanha provém, em parte, das comunidades industriais e das pequenas cidades em declínio da Alemanha Oriental.”

Uma série de estudos econômicos recentes mostram que o envelhecimento da população é responsável por grande parte do declínio da inovação e do empreendedorismo e que há uma diminuição do fluxo de jovens necessários para energizar a dinâmica empresarial e assumir riscos. A estagnação econômica segue a redução populacional em todos os sentidos.

A natureza do capitalismo é tal que, se não está crescendo, está morrendo. O capitalismo requer a combinação do crescimento econômico para evitar a catástrofe. Quando uma economia do primeiro mundo tem apenas alguns trimestres sem crescimento, isto é considerado uma crise. À medida que a procura dos consumidores diminui, as empresas fecham e há um efeito de repercussão em toda a economia. As empresas, os estados e as cidades estão extremamente alavancados, e o choque de uma queda dramática da população poderá desencadear uma série de dívidas não pagas e crises econômicas onde quer que ocorra.
Redução populacional normalmente não deixa para trás uma grande afluência, com a restante população tendo menos bocas para alimentar com a torta existente. Em vez disso, observamos o declínio econômico em todos os lugares onde vemos um declínio significativo da população, e uma luta comum pelas “cidades em contração” são as crises de infraestrutura, uma vez que as cidades para uma população maior devem servir uma população em contração ao mesmo custo. Basta olhar para Detroit, uma cidade que perdeu 40% da sua população em 60 anos. Isto pode não ser um grande problema numa sociedade que planeja a longo prazo e pode facilitar o decrescimento, mas todo o nosso modelo econômico funciona como um grande esquema de pirâmide, exigindo que o crescimento de amanhã pague hoje.

As pessoas das regiões periféricas que viram suas comunidades entrarem em declínio, com nenhum plano nacional para rejuvenescer ou desenvolver uma indústria nativa, voltam-se naturalmente a políticas populistas. Deveríamos, portanto, esperar que o populismo continue numa tendência ascendente, uma vez que as elites ocidentais não têm qualquer visão ou vontade para responder a esta crise, a não ser esperar que o mercado possa fornecer a inovação e o crescimento necessários para elevar todos, ao mesmo tempo que se voltam, a curto prazo, para medidas impopulares de imigração em massa para complementar a perda populacional.

Mudando as taxas de natalidade, mudando a política

As projeções demográficas podem nos dizer muito mais sobre o futuro do que os números brutos da população. Isto ocorre porque as nossas preferências políticas parecem ser em grande parte moldadas por traços e tendências de personalidade pré-racionais que têm uma base biológica.

A pesquisa de Jonathan Haidt revelou que liberais e conservadores se baseiam em diferentes conjuntos de valores morais ao pensar sobre política. Haidt divide nossos apegos morais básicos em seis valores: cuidado, liberdade, justiça, lealdade, autoridade e santidade.

A conclusão do estudo do apego dos conservadores e liberais a estes valores é que os liberais tendem a atribuir maior valor aos três primeiros — cuidado, liberdade e justiça — e dão pouco peso aos outros. Os conservadores valorizam todas essas ideias morais. O que explica os liberais negligenciarem a santidade, a autoridade e a lealdade? Se quiséssemos ligá-lo a traços de personalidade mais fundamentais, poderíamos dizer que a santidade é um reflexo da sensibilidade natural de repulsa, e tanto a autoridade como a lealdade refletem o grau daquilo que os psicólogos chamam de “permissividade”.

Na verdade, descobrimos que tanto a elevada permissividade quanto a baixa sensibilidade à repulsa são fortes preditores das visões sociais de esquerda. A diferença mais fundamental, porém, é que os liberais são mais individualistas do que os conservadores. Ideais como liberdade e justiça são valores bastante abstratos e de orientação individualista. Lealdade e autoridade são importantes para manter a coesão do grupo. Se a sua preocupação é apenas consigo como um indivíduo, é difícil entender por que a autoridade tem algum valor em si. Sabemos que todas as características que predizem o esquerdismo — permissividade, neuroticismo, individualismo — são altamente hereditárias. Observar quem está tendo filhos pode nos dizer muito sobre o rumo que a sociedade tomará.

Estudos genéticos mostram que o conservadorismo político é hereditário, com um dos estudos mais abrangentes sobre isto estimando a sua herdabilidade em 0,6 (o que significa que 60% da variação no conservadorismo numa população se deve à genética versus 40% ao ambiente). Isto é ainda mais elevado do que a estimativa para a herdabilidade da religião, que foi estimada em 30% a 45% herdável.[1] Curiosamente, porém, este valor sobre para 0,65 para pessoas que tiveram conversões religiosas “nascidas de novo”.[2] Isto sugere que se víssemos um grande retorno à religião em grande escala nas sociedades Ocidentais, haveria um grande efeito de repercussão na taxa de natalidade.

Sabemos que o conservadorismo e a religiosidade são significativamente hereditários. Sabemos também que as pessoas religiosas e conservadoras têm mais filhos do que o resto da população. Algumas das razões para isto no caso da religião são bastante óbvias: todas as religiões abraâmicas incentivam famílias numerosas e proíbem ou desestimulam a contracepção. As pessoas religiosas também sofrem menos do neuroticismo que impede as pessoas de terem filhos, e tendem a ter um QI mais baixo — o QI se correlaciona negativamente com a fertilidade.[3]

Em um mundo onde a população está em colapso e ter filhos é uma escolha que cada vez menos pessoas fazem, a elevada fertilidade de certos grupos religiosos pode tornar-se altamente significativa na formação do mundo que está por vir.

Quem está se retirando?

Na obra “The Past is a Future Country“, Edward Dutton apresenta uma abundância de dados para mostrar que estas tendências levarão a um futuro que será mais religioso e mais conservador, onde os brancos serão mais etnocêntricos, onde o QI está em declínio e onde a população extremamente liberal que agora domina nossa classe de elite constitui uma parcela cada vez menor da população. Dutton escreve que as simulações resultantes de seus dados transmitem “uma mensagem singular”: 

“O liberalismo está morrendo – em todo o canto. Está morrendo entre os mais inteligentes; está morrendo entre os menos inteligentes. Está morrendo entre os negros; está morrendo entre os brancos. Está morrendo entre os homens; está morrendo entre as mulheres. Só não morreu até agora, é claro; o liberalismo tem prosperado. São os genes liberais que estão morrendo.”[4]

Foto-ilustração de Randal Ford para a revista TIME.

Ao tornar uma vida sem filhos mais fácil e atraente do que nunca, o liberalismo está criando um novo tipo de pressão seletiva evolutiva, onde aqueles menos afetados pela ideologia liberal de esquerda terão muito mais filhos em relação ao resto da população. Poderíamos até esperar que esta situação seja exacerbada pelas preocupações ambientais no próximo século, afinal de contas, tornou-se agora comum ver publicações liberais respeitáveis publicarem artigos de reflexão sobre a virtude de viver uma vida sem filhos como resposta às alterações climáticas. Alexandria Ocasio Cortez certa vez refletiu em uma stream para seus seguidores que “Há um consenso científico de que a vida das crianças será muito difícil. E leva os jovens a terem uma pergunta legítima: é OK continuar a ter filhos?”

As pesquisas estão começando a confirmar a evidência anedótica de um número crescente de jovens ambientalmente conscientes que optam por renunciar aos filhos devido a preocupações climáticas. Em 2023, pesquisadores da University College London realizaram uma revisão de 13 estudos sobre este tema e descobriram que todos, exceto um, concluíram que preocupações mais fortes sobre as alterações climáticas estavam associadas ao desejo de ter menos filhos, ou mesmo nenhum.[5]

Estas preocupações também não se limitam aos liberais ocidentais privilegiados. Um estudo da Universidade de Bath concluiu que quase 40% dos jovens entre os 16 e os 25 anos, inquiridos em vários países, afirmaram que hesitavam em ter filhos devido às alterações climáticas. As alterações climáticas são algo que preocupa muito mais os jovens e estão tornando-se cada vez mais centrais na discussão política dominante, uma tendência que provavelmente se espalhará com o tempo. Se a consciência desta ideologia for a diminuição da taxa de natalidade entre os 40% mais ambientalmente conscientes e neuróticos da população, isto será basicamente uma seleção contra os segmentos mais esquerdistas da população, aumentando ainda mais a vantagem relativa que os conservadores já têm nas taxas de natalidade.

A economia da religião

Uma coisa que fica evidente ao observar essas tendências é que a religião definitivamente veio para ficar. Na verdade, os religiosos herdarão a terra. Isto seria provavelmente um grande choque para os muitos céticos da religião que assumem a modernidade e o progresso científico promovem o secularismo tão certamente como a noite segue o dia.

Na verdade, os sociólogos vêm prevendo o fim da religião há décadas. Parecia uma equação simples para os céticos em relação à religião: a religião é irracional, uma relíquia de uma época em que tínhamos que recorrer à magia e à mitologia para explicar o mundo natural e nos confortar diante da morte. Agora que a ciência pode explicar o funcionamento da natureza e que o desenvolvimento econômico nos proporcionou maior liberdade da morte e da doença do que nunca, as pessoas irão naturalmente afastar-se dos reconfortantes mitos de antigamente. Se olharmos apenas para a opinião da elite, esta pode ser uma suposição justa.

Agora parece claro que a realidade não se conformou com a “tese da secularização”. Os sociólogos Rodney Stark e Roger Finke escreveram que 

“Depois de quase três séculos de profecias totalmente fracassadas… parece ser o momento para levar a doutrina da secularização para o cemitério das teorias mortas, e aí sussurar “requiescat in pace.”[6]

O problema é que a maioria dos sociólogos ignora a biologia e a herdabilidade de características como a religiosidade, e resiste ao poder preditivo das previsões demográficas brutas em favor de teorias mais idealistas. Mas mesmo deixando de lado as tendências demográficas discutidas, os proponentes da tese da secularização ainda estariam errados.

Um caso particularmente frustrante para os crentes da história whig é o dos Estados Unidos, que, há décadas no seu status de superpotência econômica, cultural e militar, deveria ter deixado a religião bem para trás nesta altura. Afinal de contas, a Europa tornou-se muito secular e os Estados Unidos são igualmente modernos, mais economicamente poderosos, mais individualistas e têm mais liberdade de expressão. Certamente, qualquer pessoa convencida da inevitabilidade do secularismo olharia para os EUA como o ambiente ideal para a propagação do ateísmo.

No entanto, ao contrário da Europa, os EUA permaneceram teimosamente cristãos. Não só a América é mais religiosa do que a Europa, mas também se tornou mais religiosa desde a sua fundação, produzindo dois “grandes despertares” de fervor religioso em massa no final do século XIX e meados do século XX.

Um “grande despertar” semelhante para o cristianismo evangélico está acontecendo atualmente em outro grande país: o Brasil. O Catolicismo está em declínio há décadas no Brasil, mas em vez de passar para o ateísmo, a maioria dos ex-católicos abraçaram várias igrejas Protestantes. O Brasil deixou de ser um país onde quase todos eram católicos, para um país onde 31% são protestantes evangélicos.

A semelhança mais óbvia entre a América e o Brasil é a preponderância de denominações cristãs evangélicas. Poderá isto oferecer uma pista sobre a razão pela qual não se secularizaram como a Europa? Acontece que os sociólogos seguiram esta linha estudando a economia da religião do “lado da oferta”. O sociólogo da religião Rodney Stark argumentou que o grau de religiosidade de um país poderia ser previsto pelo grau em que este permite um “livre mercado” de religião.

Estamos acostumados a pensar desta forma em relação à economia: se tivermos um ambiente de mercado movimentado e competitivo para produzir os melhores e mais econômicos produtos, o consumidor será recompensado com mais escolha e opções mais atraentes individualmente. Desta forma, a própria oferta gera procura, como celebram os defensores do mecanismo de mercado. A lógica dos economistas do lado da oferta era que a forma de impulsionar uma economia era, portanto, reconhecer esta verdade básica e simplesmente parar de obstruir o livre mercado. O mesmo poderia ser verdade para a religião? E se um mercado religioso menos regulamentado satisfizesse melhor a procura religiosa, mesmo uma procura que não sabíamos que existia?

Stark argumenta exatamente isso. Quando há facilidade de arranque para denominações religiosas, e estas têm de competir para entregar o “produto” mais atraente para conquistar pessoas para a sua denominação, há um aumento geral da religiosidade. Em contraste, as religiões estatais tendem a sofrer mais com as tendências de secularização, tal como as empresas monopolistas sofrem com a ineficiência. O próprio profeta da mão invisível, Adam Smith, observou que entre a Igreja da Inglaterra: 

“o clero, confiando nos seus benefícios, negligenciou a manutenção do fervor da fé e da devoção da grande massa do povo; e tendo se entregado à indolência, foram incapazes de fazer esforços vigorosos em defesa até mesmo de seu próprio estabelecimento.”

Obviamente, quando as igrejas têm o apoio do Estado, e esse Estado é capaz de controlar a cultura, as populações são muito religiosas. Mas a desvantagem é que estas igrejas sofram mais com a “dessacralização” geral da sociedade. Pode-se pensar na mistura entre Igreja e Estado na Irlanda no século XX, marcada por pequenos atos sagrados nos assuntos cotidianos, como o costume de um bispo lançar a bola para dar início a jogos importantes de futebol gaélico. Tem havido uma tendência de dessacralização que afastou as pessoas das igrejas estabelecidas. O argumento de Stark, porém, é que isto é seguido por um período de estagnação e depois por um renascimento religioso, à medida que a cena religiosa se torna “desregulamentada”.

Vários estudos demonstraram não só uma maior religiosidade em países com mais pluralismo religioso, mas também, na América, áreas com mais pluralismo religioso tendem a ter taxas mais elevadas de participação religiosa. Realmente parece que “abrir” o espaço religioso e deixar às pessoas muitas opções quando se trata de religião aumenta a religiosidade, independentemente de outras tendências. Mas e a Europa? Não parece que em nenhum lugar da Europa esteja a observar-se uma espécie de renascimento religioso ou surto de cristianismo evangélico análogo à América Latina.

Stark argumentou que embora as igrejas estabelecidas tenham declinado na Europa, ainda não existe um período de renascimento porque o mercado religioso não está desregulamentado. Muitos países protestantes como a Noruega ainda têm uma igreja estatal oficial que recebe privilégios do Estado. Em países católicos como a Irlanda, existe uma grande regulamentação de facto e estigma associados ao pluralismo religioso. Também exageramos o quão religiosa era a população em países com monopólios religiosos, uma vez que não estava muito na moda nem mesmo era tolerado ser honesto sobre a própria falta de crença. Mesmo no que consideramos a era de ouro religiosa, a pessoa média era muito menos devota ou apegada ao seu dogma religioso do que imaginamos.

Em sua clássica pesquisa sobre religião e magia na Grã Bretanha da Idade Média, Keith Thomas escreveu que

“é problemático saber se certos setores da população naquela época sequer tinham alguma religião. Embora nunca seja possível obter estatísticas completas, pode-se dizer com segurança que nem todos os ingleses Tudor ou Stuart frequentavam algum tipo de igreja, que muitos dos que o faziam foram com considerável relutância e que uma certa proporção permaneceu durante toda a vida totalmente ignorante sobre os princípios elementares do dogma cristão.”

Outros estudiosos religiosos descreveram a crença do camponês médio na Europa da Idade Média como uma espécie de animismo e adoração de espíritos que incluída conteúdo Cristão. Embora quase todos fossem nominalmente cristãos, poucos frequentavam os cultos da igreja: 

“durante a maior parte desta época, quando mais de 90 por cento da população da Europa vivia em zonas rurais, as igrejas só podiam ser encontradas em vilas e cidades; portanto, dificilmente alguém poderia ter frequentado a igreja. Além disso, mesmo depois de a maioria dos europeus ter tido acesso a uma igreja, seja católica ou protestante, a maioria das pessoas ainda não frequentava e, quando forçadas a fazê-lo, muitas vezes comportavam-se mal.”[7]

Além de debilitar a visão idealista que alguns têm da devota Idade Média, isto também deveria diminuir o entusiasmo dos proponentes da tese da secularização que pensam que a queda da religião na Europa tem sido notável. Mas como esse efeito do “lado da oferta” afeta a religião para tornar a Europa menos secular? 

Dois grandes estudos sobre o efeito do pluralismo religioso na religiosidade na Europa concluíram que o pluralismo aumenta fortemente a participação religiosa. O economista Laurence Lannaccone publicou um estudo sobre catorze países protestantes na Europa no seu artigo “As Consequências da Estrutura do Mercado Religioso”,[8] enquanto um estudo separado de Stark analisou os países majoritariamente católicos: 

“Ambos os estudos mediram o pluralismo pelo Índice Herfindahl, uma medida padrão de concentração de mercado, e avaliaram a religiosidade pela frequência semanal à igreja. Os estudos mostraram que o pluralismo tem uma influência notavelmente forte na religiosidade: é responsável por mais de 90 por cento da variação total na frequência à igreja nestas nações.”[9]

À medida que a tendência de pluralismo e declínio das igrejas estatais continua na Europa, devemos esperar que períodos de estagnação e irreligião fossem seguidos por renascimentos religiosos e pelo crescimento de seitas mais pequenas.

Agora recordemos o estudo mencionado anteriormente, que mostrou que os convertidos religiosos “nascidos de novo” têm taxas de fertilidade ainda mais elevadas do que outras pessoas religiosas e conservadoras. Se a tendência para o pluralismo religioso e o crescente domínio demográfico dos conservadores e dos religiosos conduzir um grande despertar religioso, devemos esperar que as pessoas que regressam à fé com um fervor renovado tenham taxas de natalidade ainda mais elevadas, exacerbando ainda mais estas tendências num ciclo de feedback positivo.

Um futuro Protestante?

Refletindo sobre isto, pode parecer que o regresso da religião virá na forma de uma massa de pequenas seitas protestantes evangélicas, semelhante ao último “grande despertar” da América. Que esperança tem o Catolicismo como apenas uma entre milhares de igrejas Cristãs num mercado religioso? 

A América Latina foi extremamente Católica até a segunda metade do século XX, quando as restrições a outras religiões foram levantadas e se seguiu uma explosão do protestantismo. Mas longe de substituir o Catolicismo, esta explosão de pluralismo religioso na verdade energizou a Igreja Católica. Stark escreveu que a Igreja Católica passou por um despertar impressionante na América Latina: 

“Onde antes os bispos se contentavam com afirmações falsas sobre uma terra católica e uma realidade de baixos níveis de compromisso, as igrejas Católicas na América Latina agora estão repletas aos Domingos de membros devotos, muitos deles também ativos em grupos carismáticos que se reúnem durante a semana. E a fonte desta mudança notável tem sido o rápido crescimento de intensas religiões Protestantes, que criaram um ambiente pluralista altamente competitivo.

Simplificando, a América Latina nunca foi tão Católica — e isso é precisamente porque há tantos Protestantes lá agora.”

Algo semelhante aconteceu nos Estados Unidos no século XIX. Após um influxo de imigrantes Católicos da Europa, muitos desertaram para igrejas Protestantes. Mas a Igreja Católica na América foi energizada e adaptada à competição Protestante. Logo, a igreja na América estava mais forte e com membros mais ativos do que em qualquer lugar da Europa. Num ambiente pluralista, o Catolicismo e a Ortodoxia sofrerão uma pressão seletiva que os tornará mais bem sucedidos na atração de um clero ativo.

Há outro motivo pelo qual o Catolicismo e a Ortodoxia podem ser mais atraentes para as pessoas num ambiente de pluralismo — eles estão ligados à tradição de uma forma que as igrejas Protestantes não estão. Isto pode parecer menos vantajoso, dado que a Igreja Católica passou décadas a modernizar-se em resposta ao declínio da sua influência no mundo moderno. Mas quando as pessoas regressam à religião, especialmente como rejeitados cansados ​​do secularismo, é mais provável que apreciem os aspectos tradicionais da Igreja, que parecem uma fuga mais completa de um mundo dessacralizado.

Não precisamos ir além do interesse pela missa em latim dentro da Igreja. A Missa Tradicional em Latim, bem como outros serviços religiosos tradicionais, estão experimentando um crescimento explosivo e, embora os Católicos Tradicionais ainda sejam apenas uma pequena minoria de Católicos, são o único grupo demográfico do catolicismo que está crescendo no Ocidente.

Siga as tendências

O que importa são as tendências de crescimento e não os números brutos. Em geral, tendemos a subestimar o poder de agravar o crescimento, e isto certamente se aplica à compreensão da mudança sociológica. Rodney Stark conseguiu demonstrar como o Cristianismo poderia conquistar o mundo antigo com uma taxa de crescimento de apenas 3 a 4% ao ano. À primeira vista, isto não parece ser uma enorme taxa de crescimento para uma seita que tinha menos de 10 mil membros no final do primeiro século. Mas então vemos como isso se expande com o tempo. Esses 3 a 4 por cento representam um crescimento de cerca de 40% por década, o que, traduzido em números reais, é assim[10]:

  • 7,500 Cristãos no final do primeiro século (0.02% de seis milhões de pessoas)
  • 40,000 Cristãos em 150 DC (0.07%)
  • 200,000 em 200 DC (0.35%)
  • 2 milhões em 250 DC (2%)

O Cristianismo primitivo se espalhou por meio do proselitismo. Bart Ehrman, em “The Triumph of Christianity”, descreve duas razões principais para o sucesso do movimento de Jesus. Primeiro, o compromisso doutrinário do Cristianismo de espalhar o evangelho através de missionários era algo novo no mundo antigo. A insistência de Paulo na remoção das restrições alimentares judaicas e da circuncisão e na sua evangelização aos gentios abriu o Cristianismo a um público potencial de todo o mundo. Em segundo lugar, o Cristianismo era diferente de outras religiões pagãs ao reivindicar exclusividade. Ser cristão significava abandonar quaisquer outros deuses ou crenças religiosas. Este foi também um afastamento radical dos costumes do mundo pagão, onde adorar um novo deus ou deuses não significava abandonar os antigos. Por ser exclusivista, o Cristianismo não apenas se espalhou, mas extinguiu as crenças pagãs quando se espalhou.

Assim, o Cristianismo espalhou-se principalmente através da sua capacidade única de fazer novos convertidos e de eliminar crenças concorrentes, mas as taxas de natalidade também foram um fator importante. Os Romanos praticavam o infanticídio, particularmente a prática da “exposição”, onde as crianças eram deixadas aos elementos para serem adotadas ou morrerem. Era muito mais comum praticar isto com filhas pequenas, uma vez que as mulheres tinham muito menos valor na sociedade Romana.

Os Cristãos que evitassem esta prática significariam que, além da vantagem óbvia de não matarem muitos dos seus filhos, também evitariam o mesmo tipo de desequilíbrio na proporção de gênero que os romanos tinham devido à remoção principalmente de meninas, o que poderia proporcionar uma grande vantagem comparativa nas taxas de natalidade — remover mães potenciais da sociedade reduz a taxa de natalidade muito mais do que a remoção dos homens. Algumas pesquisas sugerem que isto poderia ter sido agravado pelo choque populacional causado pela peste no século II, quando os cristãos teriam sido muito mais capazes de reabastecer os seus números pré-peste devido ao desequilíbrio da proporção entre os sexos.

Observar a ascensão do cristianismo primitivo mostra que vantagens aparentemente pequenas nos padrões de reprodução podem criar mudanças massivas ao longo dos séculos, e que mesmo estas vantagens comparativas podem ser enormemente exacerbadas por choques populacionais.

Nenhuma igreja hoje tem a vantagem de ser a primeira religião evangelizadora, como o Cristianismo teve no primeiro século. Mas há seitas que apresentam taxas de crescimento endógeno massivas, algo que se torna muito significativo no meio de uma bomba populacional.

A igreja Mórmon está crescendo a um ritmo ainda mais rápido do que o Cristianismo primitivo. Eles cresceram 45,5% em uma década, saltando de 4,2 milhões em 2000 para 6,1 milhões em 2010. Stark projetou que, a uma taxa de crescimento conservadora de 30% por década, poderia haver 63 milhões de mórmons em 2080. Se crescerem mais de 50% por década, poderemos entrar no próximo século com esta seita peculiar do Cristianismo Americano ultrapassando o budismo.[12] Um belo exemplo do poder transformador das taxas de natalidade! E por mais notável que isto possa parecer, outra obscura seita Americana obteve uma taxa de crescimento semelhante no século XX: os Amish. Apesar de quase nenhum crescimento através da conversão, as suas elevadas taxas de natalidade fizeram com que o seu número aumentasse de 5.000 em 1900 para mais de 377.000 hoje.

O Estado pode desarmar a bomba populacional?

Os Amish destacam-se como um grupo religioso particularmente separatista que consegue prosperar fora da moderna sociedade de massas, mas não é necessário abdicar da eletricidade para conseguir isso. Os outros grupos que conseguiram aumentar o seu número — Católicos tradicionais, Judeus Ortodoxos, Mórmons — estão na sociedade, mas não na modernidade. Eles conseguem manter a autonomia cultural enquanto participam (com bastante sucesso) na economia moderna. A afluência em massa da modernidade é uma faca de dois gumes: desencoraja a formação de famílias para o núcleo tradicional da civilização burguesa, mas para aqueles que optam por fazê-lo, é relativamente fácil optar por sair da modernidade ideológica sem ter de aceitar a pobreza ou o isolamento.

Podemos estar bastante confiantes de que a humanidade ainda não terminou. Embora a “bomba populacional” seja inevitável, sempre haverá comunidades religiosas ansiosas por resistir. A questão do nosso tempo não é se o declínio populacional será revertido, mas se os planejadores sociais podem identificar como as comunidades intencionais desafiam as tendências e aplicar as lições à escala da sociedade de massas.

Normalmente, os políticos recorreram a incentivos financeiros como meio de resgatar taxas de natalidade em declínio. Escrevendo para Unherd, Tom Chivers apresentou a “forma progressiva” de aumentar as taxas de natalidade. Dado que o número médio de filhos que as pessoas nos países desenvolvidos desejam ter está acima dos níveis de reposição, o problema mais facilmente solucionável é abordar os obstáculos que as pessoas que já desejam ter filhos possam ter, que são principalmente financeiros:

“em vez de políticas que coagissem as mulheres, poderíamos incentivar uma taxa de natalidade mais elevada através da criação de políticas que dessem às mulheres mais liberdade financeira. Uma licença maternidade mais generosa, por exemplo, parece aumentar as taxas de natalidade, tal como os simples pagamentos em dinheiro aos novos paisSubsidiar os cuidados infantis (ou ajudar os idosos a aposentarem-se mais facilmente, para que possam ajudar a cuidar dos netos) tem um efeito semelhante.”

O modelo social-democrata sueco para a formação familiar baseou-se no trabalho do estrategista econômico Gunnar Myrdal, que, no auge da Grande Depressão em 1934, escreveu um livro best-seller sobre a crise populacional. Myrdal argumentou que a solução para a queda das taxas de natalidade seria tornar mais fácil para as mulheres criarem os filhos e terem carreiras.

A solução, então, seria principalmente programas generosos de assistência social para redistribuir a riqueza para aqueles que têm famílias. A Suécia tem agora um sistema pré-escolar público de renome mundial e uma licença parental remunerada muito generosa. O sistema francês também está fortemente orientado para incentivos financeiros às mães e, como resultado, a Suécia e a França gastam muito acima da média da OCDE em cuidados infantis. Em cada caso, estes números são agora sustentados pelos migrantes, que têm mais filhos do que as populações nativas. No entanto, a Suécia manteve uma taxa de natalidade acima ou próxima do nível de substituição ao longo da década de 1990, quando ainda era muito homogênea, por isso é difícil argumentar que o modelo nórdico não teve algum sucesso.

Em contraste, a Itália adotou uma abordagem negligente à queda das taxas de natalidade, não olhou para o Estado de bem-estar social como a solução da mesma forma e sofreu com finanças públicas deficientes e, na década de 1990, a sua taxa de natalidade caiu para menos de 1,2.

Mas só o dinheiro não é suficiente. Muitos países tentaram reverter o curso com gastos governamentais generosos e incentivos fiscais, com impacto mínimo. A Coreia do Sul gastou mais de 200 bilhões de dólares a tentar reverter a sua crise de fertilidade nos últimos 15 anos, com poucos resultados — a sua taxa de natalidade é atualmente de 0,81. Simplesmente abrir a torneira dos incentivos financeiros é fácil, mas as políticas puramente econômicas não alteram as estruturas sociais que ditam mais fundamentalmente as atitudes em relação à formação familiar.

Muitos dos estudos utilizados para apoiar a ideia de que simples recompensas financeiras aumentam diretamente a fertilidade apresentam uma falha: eles examinam os efeitos num curto espaço de tempo, digamos, alguns anos. Com este intervalo de tempo, conseguem demonstrar que imediatamente após a implementação de uma recompensa monetária pela procriação, a procriação aumenta.

O problema é que esta resposta é provavelmente composta por muitas pessoas que iriam ter filhos de qualquer maneira, mas apenas mudaram o momento, caso em que não há efeito na fertilidade total. Foi isto que concluiu uma revisão dos programas de formação familiar em toda a OCDE, e provavelmente explica muito do tão alardeado baby boom que aconteceu durante os confinamentos da COVID. Afinal, se um casal planejava ter um filho de qualquer maneira, que melhor momento do que durante uma quarentena com todos recebendo renda básica universal? Isso não quer dizer que as finanças sejam irrelevantes. A comparação de países desenvolvidos, como a Suécia com a Itália, mostra que mesmo os países feministas desenvolvidos podem fazer muito para manter as taxas de natalidade com um estado de bem-estar social, mas isto não é suficiente por si só, e não é uma solução rápida, pois países como a Coreia do Sul e o Japão estão descobrindo.

O modelo Georgiano

Se quisermos ver uma verdadeira história de sucesso de um Estado que contrariou a tendência anti-natalista da modernidade, não a encontraremos nos Estados de bem-estar social nórdicos ou nos países muçulmanos hiper-religiosos. Em vez disso, olhe para o Cáucaso. Mais especificamente, olhe para “a joia do Cáucaso”. A Geórgia é uma pequena ex-república Soviética de 3,7 milhões de habitantes, situada entre a Turquia e a Rússia, cuja maior fama é dar ao mundo Josef Stalin. A sua taxa de natalidade de 2,08 pode não parecer notável, até que a comparemos com a dos seus vizinhos: tanto a Armênia quanto o Azerbaijão têm se mantido estagnados em cerca de 1,5 desde o início do século, e a Geórgia também esteve lá, até empreender uma experimento fascinante.

A Geórgia é um país muito religioso, com uma população composta por 90% de cristãos ortodoxos. Em 2007, o Patriarca Elias II da Igreja Ortodoxa Georgiana, uma figura de grande renome nacional, decidiu enfrentar de frente o problema do declínio das taxas de natalidade: anunciou à nação que batizaria pessoalmente e se tornaria padrinho de qualquer terceira criança ou mais nascida para um casal na Geórgia.

Elias II da Geórgia

Esta experiência notável foi um sucesso. As taxas de natalidade na Geórgia aumentaram imediatamente, especialmente os nascimentos de terceira ordem mais afetados pela campanha do patriarca, que quase duplicou entre 2007 e 2010, e depois continuou a aumentar. Isto aconteceu num período em que a taxa de fertilidade dos solteiros continuava caindo.

O Estado Georgiano desempenhou o seu papel com um conjunto de incentivos financeiros em 2013, mas a evidência é que o efeito destes foi mínimo em comparação com as exortações do Patriarca georgiano. O economista Lyman Stone, num relatório que estuda o mini baby boom da Geórgia, concluiu que as ações do Patriarca foram mais decisivas do que qualquer incentivo econômico:

“O efeito [dos subsídios governamentais] é substancialmente menor do que o efeito observado na oferta de batismo de Elias e, claro, o preço é muito, muito mais elevado, com estes programas a custarem à Geórgia uma parte apreciável do seu orçamento.

No entanto, parece plausível que o aumento contínuo da natalidade de ordem superior após 2013, enquanto a natalidade de ordem inferior caiu, possa refletir incentivos financeiros alargados. Dar dinheiro para conceber crianças tem algum efeito, mas não tanto quanto o incentivo de líderes religiosos amados.”

Não é que os incentivos financeiros não importem, mas é o capital social que realmente conta. E as duas grandes fontes de capital social fora do liberalismo provêm da religião e do orgulho nacional, algo a que a pequena, homogênea e fiel nação da Geórgia pode recorrer como poucas outras, mas o efeito tem sido uma oscilação súbita e duradoura na fertilidade que alguns governos gastariam (e gastarão) bilhões para alcançá-lo.

A solução para os Estados parece então ser uma combinação dos incentivos econômicos do modelo nórdico com os incentivos de capital social do modelo georgiano. Os incentivos financeiros podem diminuir a diferença entre a fertilidade desejada e a fertilidade real, e o fortalecimento das forças do nacionalismo e da religião pode produzir o capital social necessário.

Isso pode ser alcançado? Utilizando esta fórmula, Israel conseguiu manter uma taxa de natalidade acima da taxa de reposição e bem acima do que se poderia esperar de um país que tem uma economia desenvolvida há décadas. O sucesso da fertilidade de Israel baseou-se na religião, com as mulheres ultraortodoxas em Israel a terem em média 6 a 7 filhos. Mas mesmo a seção secular da população manteve-se acima dos níveis de substituição, e é aí que entra em jogo essa poderosa combinação de incentivos econômicos, a influência das atitudes religiosas e o etnonacionalismo.

Num estudo destinado a explicar a elevada taxa de natalidade secular dos judeus em Israel, os autores atribuem-na ao abrangente regime de bem-estar social de Israel para a educação dos filhos, juntamente com:

“a importância contínua da ideologia familista e do casamento como instituição social; o papel do nacionalismo judaico e do comportamento coletivo numa sociedade religiosa caracterizada por conflitos étnico-nacionais; e um discurso nacionalista que define as mulheres como reprodutoras biológicas da nação.”[13]

É claro que Israel é certamente anómalo, com o seu conflito único com a Palestina e a sua história de ameaças externas mantendo uma forte consciência nacional nas mentes dos israelitas. Os engenheiros sociais analisarão estudos de caso como os da Geórgia e de Israel e perceberão que nenhum deles pode ser replicado com precisão pelas suas técnicas. Nenhum programa governamental pode criar uma população que valorize profundamente a perpetuação da sua nação, ou a palavra dos seus porta-vozes religiosos.

Nações etnicamente homogêneas e enraizadas podem ser fáceis de desmontar, mas não podem ser fabricadas. A solução da Geórgia não será a solução da Coreia do Sul, do Japão ou dos Estados Unidos, mas conterão subgrupos com os seus próprios patriarcas e comunidades que criarão o capital social necessário para sair do outro lado da modernidade.

A civilização globalista moderna não está conseguindo criar mais humanos porque é fundamentalmente desumana, misantrópica e hostil à vida humana em qualquer idade. O próprio fato de os seus administradores só compreenderem a crise das pessoas que não têm filhos através das lentes dos gastos do consumidor, do financiamento das pensões e da modelização da especulação no mercado obrigacionista demonstra a sua desumanidade.

Muita tinta será derramada nas próximas décadas sobre como resolver a queda da taxa de natalidade e, ao mesmo tempo, manter a sociedade de massa moderna. Mas a contradição central no cerne deste projeto é que a alienação da humanidade tribal, que é parte integrante da modernidade, está também na raiz da crise demográfica.

Se o capitalismo não conseguir resolver a sua contradição central e produzir bebês ou tecnologia com rapidez suficiente para substituir aqueles que estão em vias de extinção, poderá ser uma transição tumultuada para o que vier a seguir. Ao contrário da visão progressista do futuro dos tecno-otimistas, a visão do futuro da humanidade aqui oferecida é mais paroquial, mais comunitária e mais religiosa. O que isto significará para a política em grande escala permanece uma questão em aberto. Mas, de minha parte, encontro muitas coisas para gostar em um mundo mais parecido com a Geórgia.

Autor: Keith Woods | Escritor, criador de conteúdo e ativista.

Traduzido por J.M. e revisado por Bulb.

Notas:

[1] Bouchard Jr, Thomas J. “Genetic influence on human psychological traits: A survey.” Current directions in psychological science 13, no. 4 (2004): 148-151.

[2] Bradshaw, Matt, and Christopher G. Ellison. “Do genetic factors influence religious life? Findings from a behavior genetic analysis of twin siblings.” Journal for the Scientific Study of Religion 47, no. 4 (2008): 529-544.

[3] Boutwell, Brian B., Travis W. Franklin, J. C. Barnes, Kevin M. Beaver, Raelynn Deaton, Richard H. Lewis, Amanda K. Tamplin, and Melissa A. Petkovsek. “County-level IQ and fertility rates: A partial test of Differential-K theory.” Personality and Individual Differences 55, no. 5 (2013): 547-552.

[4] Dutton, Edward, and J. O. A. Rayner-Hilles. The past is a future country: The coming conservative demographic revolution. Vol. 76. Andrews UK Limited, 2022.

[5] Dillarstone, Hope, Laura J. Brown, and Elaine C. Flores. “Climate change, mental health, and reproductive decision-making: A systematic review.” PLOS Climate 2, no. 11 (2023): e0000236.

[6] Stark, Rodney, and Roger Finke. Acts of faith: Explaining the human side of religion. Univ of California Press, 2000.

[7] Stark, Rodney. The triumph of faith: Why the world is more religious than ever. Simon and Schuster, 2023. Pg. 44

[8] Iannaccone, Laurence R. “The consequences of religious market structure: Adam Smith and the economics of religion.” Rationality and society 3, no. 2 (1991): 156-177.

[9] Stark, Rodney. The triumph of faith: Why the world is more religious than ever. Simon and Schuster, 2023. Pg. 59

[10] Stark, Rodney. The rise of Christianity: A sociologist reconsiders history. Princeton University Press, 1996. pg. 7

[11] Philbrick, Kenneth J. “Epidemic Smallpox, Roman Demography, and the Rapid Growth of Early Christianity, 160 CE to 310 CE.” PhD diss., Columbia University, 2014.

[12] Stark, Rodney. The rise of Mormonism. Columbia University Press, 2005.

[13] Okun, Barbara S. “An investigation of the unexpectedly high fertility of secular, native-born Jews in Israel.” Population Studies 70, no. 2 (2016): 239-257.

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